A leitura sempre foi uma válvula de escape para mim. Me lembro de um dos primeiros livros que ganhei de presente. Tinha capa dura com dezenas de poemas brasileiros: Olavo Bilac, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e muitos outros. Sabe o que ele não tinha? Imagens. Nem mesmo na capa. Não era um livro para crianças, ou pelo menos, assim diziam. Na verdade, foi minha mãe que ganhou esse livro junto com outras coisas que alguma tia nos deu. Sabe aquelas caixas que vem repletas de coisas simples e do dia-a-dia? Pois é. Aconteceu de ter um livro lá dentro.
Eu peguei o livro pra mim e li os poemas. Era tudo novo. Eu devia ter uns dez, onze anos. E naquelas páginas, eu encontrei universos que me abraçavam e acolhiam. Veja bem, a minha infância não foi nada fácil. Morávamos em uma casa simples, com lona improvisando paredes e telhados em vários lugares. Tínhamos um fogão à lenha que servia para fazer o almoço e esquentar a água para o banho. Meus pais, como passavam o dia com a tarefas mais pesadas, deixavam a obrigação de encontrar a lenha por conta dos filhos. Eu e meus irmãos saíamos todos os dias pela mata atrás de casa para recolher tudo o que pudesse ser usado para alimentar o fogo.
Não foi uma infância fácil.
A realidade era pesada, por isso você pode imaginar a minha surpresa ao perceber o quanto a leitura podia ser um paliativo, uma atividade que te permite esquecer, mesmo que por alguns minutos, de todo o resto. Aquilo foi revolucionário na minha vida.
Me lembro até hoje do quanto eu chorava lendo o poema “Plutão” do Bilac:
Negro, com os olhos em brasa,
Bom, fiel e brincalhão,
Era a alegria da casa
O corajoso Plutão.
Eu chorava e chorava com o final triste e belo do poema. E isso me impactava. Como era possível que as palavras tivessem tanto poder?
As primeiras histórias
Tem uma cena que sempre ficará gravada na minha memória. Ela parece um quadro grande, desses com uma moldura dourada. Sei que você tem memórias assim. São preciosas e ocupam galerias inteiras no nosso Museu das Lembranças.
Eu estava sentado no gramado no alto de uma colina ao lado de três colegas meus. Nas nossas costas, o sol lentamente se despedia encerrando o dia. Tínhamos uns 12 anos e estávamos entediados sem ter o que fazer. Como o fim da tarde era um indício que logo teríamos que ir pra casa, estávamos um pouco pra baixo. Eu não lembro de onde veio a ideia, mas de repente, comecei a inventar uma história para eles. Era a história da origem do sol. Era algo fictício, claro, não tinha relação nenhuma com ciência. Lembro que meus colegas adoraram e começaram a sugerir outras palavras. Uma delas foi “árvore”. Inventei uma história sobre o surgimento das árvores no mundo.
Nunca mais voltamos a brincar daquilo, mas aquele foi o primeiro momento onde eu conscientemente parei para criar uma história.
Mais ou menos naquela mesma época, escrevi um pequeno conto para uma redação na escola. Era sobre dois irmãos que se perdiam em uma floresta. Nunca mais vi esse texto, mas não importa. Ele teve o seu papel e adicionou mais um tijolo na minha formação.
Eu não escrevo para mim. Nunca foi meu objetivo. Eu escrevo para as pessoas. Adoro mostrar meus textos, no passado meus poemas, e causar alguma reação em quem lê. Escrita, aos meus olhos, é construção de pontes. É um caminho entre escritore e leitore.
Claro que a escrita pode ser usada de modo unilateral, não tem nada de errado com isso. Muitas pessoas gostam de escrever pelo simples ato de escrever. Porém, para mim, a escrita precisa encontrar as pessoas. Preciso estabelecer essa ponte, esse caminho. O que me motiva a escrever não é apenas criar histórias. Obviamente, amo essa parte (que escritore não ama?), mas o que faz meus olhos brilharem é imaginar as histórias sendo lidas e mudando (mesmo que bem pouco!) a vida das pessoas. Isso é o que quero fazer da minha vida. Devolver para o mundo um pouco da imensidão que recebi e recebo ao ler cada livro.
Literatura de entretenimento?
Há uma discussão muito grande sobre alta e baixa literatura (como se fosse possível fazer essa divisão). Há pessoas que preferem livros perfeitamente estruturados com seus elementos rebuscados ou enredos revolucionários, não há problema nenhum nisso. No entanto, há também quem ache que esses livros são superiores aos demais. Criaram uma categoria para os livros que não atingem esse status de rebuscamento: livros de entretenimento. É nessa categoria que as minhas histórias se encaixam.
E eu não poderia estar mais orgulhoso disso.
Entreter as pessoas é o que me motiva a continuar escrevendo. Saber que minha história pode ajudar alguém a esquecer de algum problema, doença ou sofrimento é razão mais que suficiente para me fazer sentar e escrever. Agora me diz: como entreter pode ser considerado algo inferior?
Quando me perguntam por que escrevo, a resposta vem fácil: escrevo para entreter, para que meu texto faça parte, mesmo que por alguns minutos, da história da vida daquela pessoa. Se ela puder se desligar da realidade por alguns instantes e talvez até encontrar algo no meu texto que torne a vida dela mais fácil, então minha tarefa foi cumprida.
Acho que o Rafa de 12 anos que inventava suas primeiras histórias para os colegas entediados concordaria comigo.