Uma história é um reator químico (e eu posso provar)

imagem panoramica de uma refinaria de petróleo

Não foram poucas as vezes que recebi olhares surpresos das pessoas ao comentar que minha formação é em engenharia química. “Como assim, você não é escritor?”. Geralmente, essa é a resposta que recebo. Isso quando a pessoa tem coração que comentar alguma coisa. Na maior parte das vezes só recebo um levantar de sobrancelhas.

A culpa não é dessas pessoas. A gente é meio que condicionado a pensar que a faculdade vai moldar e determinar todo o seu futuro profissional. Dessa forma, a engenheira tem que escrever mal e o historiador tem que ser péssimo em matemática.

Esse pensamento é algo prejudicial, pois nos impede de ver como somos uma junção de todas experiências que já tivemos. Foi pensando nisso que tive a ideia de escrever esse texto, quero te mostrar que a engenharia química e a escrita têm tudo a ver. Não acredita? Então fica comigo até o final.

A história é um reator químico

Antes de mais nada, um reator químico pode ser entendido, de modo geral, como um recipiente onde reações químicas ocorrem e há transferência de massa e/ou energia lá dentro. Ou seja, entra A + B e sai C. Basicamente isso.

Calma, sei que ainda não está parecendo em nada com uma história, mas prometo que vamos chegar lá.

Imagine que você é ume profissional da indústria e vai começar um processo novo. Você precisa definir vários parâmetros dessa operação. A mesma coisa acontece na hora de escrever uma história. Vamos ver mais de perto quais são esses parâmetros.

Reagentes = personagens

Voltando à nossa reação hipotética de A + B virando C, temos que A e B são nossos reagentes e C nosso produto. No início da operação, temos que adicionar uma quantidade de A e outra de B para que a reação ocorra. Da mesma forma, na criação de uma história, você tem que introduzir os personagens. Você terá o personagem A que se relacionará com o personagem B de alguma forma, isso desencadeia um conflito, algo fundamental para o desenvolvimento da narrativa.Sabemos que existem diversos tipos de reagentes, com os personagens, não é diferente: temos os mais reativos, os inertes e até mesmo aqueles que explodem. Quem nunca leu uma história onde o personagem brigava por qualquer motivo? Pois é.

Sabemos que existem diversos tipos de reagentes, com os personagens, não é diferente: temos os mais reativos, os inertes e até mesmo aqueles que explodem. Quem nunca leu uma história onde o personagem brigava por qualquer motivo? Pois é.

Da mesma forma que devemos escolher bem qual reagente usar em uma reação química, diferentes histórias exigem diferentes tipos de personagens. É trabalho de engenheire e/ou autore saber escolher quais ingredientes usar para obter o efeito que deseja.

Reação química = enredo (plot)

Uma reação química nada mais é que a transformação da matéria. A e B se tornando C. Esse é um dos pilares da engenharia química, não atoa conhecida como engenharia das transformações ou engenharia de processos. Ok, mas onde isso se encaixa na história?

Uma história, na maioria esmagadora das vezes, trata também de mudanças. Você não vai ler um livro de ficção 100% descritivo. Nem mesmo Tolkien chegava nesse nível. O cérebro humano precisa de mudança, de ação. Se você começa a ler um livro no qual o casal principal está junto, você já começa a imaginar que acontecerá algo que os separará. Se o personagem precisa de dinheiro para pagar um curso que ele quer muito, você espera que algo vai acontecer para que ele consiga aquele dinheiro. Percebe que o tempo todo está acontecendo mudanças na história? E o mais importante, você está esperando que essas mudanças ocorram.

Quase sempre, tanto na indústria quanto nos livros, ocorre a transformação do personagem/reagente em um produto. Muitas vezes esse é o objetivo mesmo. Porém, nem sempre isso acontece de uma forma tão direta, pode ser que um reagente não seja convertido ou um personagem termine a história da mesma forma como começou. E está tudo bem. Nem todos precisam, podem, querem ou conseguem mudar. 

Reações paralelas = subenredos (subplots)

Muitas vezes, ao adicionarmos A + B no nosso reator o resultado acaba sendo C + D + E. Existem várias alternativas para tentar minimizar a produção desses compostos, mas não cabe entrar nisso aqui. Quero apenas mostrar que isso acontece na indústria e nas histórias. Vamos dar um exemplo bem famoso. No primeiro livro de Jogos Vorazes, nós acompanhamos a Katniss e o Peeta enquanto eles tentam sobreviver aos jogos, certo? Esse é o enredo principal. Queremos que os tributos (A + B) se tornem vitoriosos dos jogos (C). Porém, ocorrem várias reações paralelas no meio do caminho (a relação da Katniss com a Rue, o romance entre os personagens principais, o início das revoluções nos distritos) que vão levar a grandes consequências durante toda a trilogia. Esses são os subenredos, narrativas paralelas que agregam à história. 

Da mesma forma que na indústria, essas reações paralelas ocorrem e precisam ser controladas, afinal, você tem um objetivo em mente, é preciso chegar nesse produto sem gastar muito (processo) ou cansar o seu leitor (livro).

Um balanço de massa do sistema evita a formação de pontas soltas na história

Uma das ferramentas mais utilizadas na engenharia química é o balanço de massa. É um conceito extremamente simples, mas muito poderoso. Resumidamente, você precisa saber que a quantidade de massa que entra no reator é igual a quantidade de massa que sai dele (ou que fica acumulada). Simples, não? Com essa ferramenta, e engenheire pode determinar diversos parâmetros operacionais (rendimento, produção, taxa de conversão) que serão importantes na análise econômica do processo.

Uma análise muito similar pode (na verdade, deve) ser realizada na história. Todo personagem que entra na história, tem que sair dela de uma forma coerente. Na escrita, chamamos isso de arco do personagem. Se você começa a desenvolver alguém e esquece dele no meio da história, isso é um erro que seus leitores irão perceber. Cada personagem que entra, precisa ter um motivo para estar ali.

Não esqueça de concluir os arcos dos personagens, mesmo que sua história tenha continuação em vários livros. Voltarei ao exemplo de Jogos Vorazes. No final do primeiro livro, há um fechamento da história: a “vitória” nos jogos. A história terminou? Não, mas teve um fechamento. Em Harry Potter é a mesma coisa. A história termina no sétimo livro, mas em todos, há fechamentos, o que traz satisfação para es leitories.

Energia de ativação = obstáculos na história

Para que uma reação química ocorra, precisa ser fornecido uma quantidade de energia suficiente para que a energia de ativação seja superada. Em outras palavras: precisamos dar um empurrão para a reação ocorrer. De todas as analogias que já fiz até aqui, essa talvez seja a mais acertada.

Na jornada do herói (um modelo clássico usado na escrita) temos duas etapas que poderiam ser relacionadas à energia de ativação. A primeira delas, é chamada de recusa ao chamado. Nesse ponto, o herói percebe que algo existe além da sua zona de conforto e ele é convidado a seguir viagem. Como ele ainda não conhece o que virá pela frente, ele se recusa. O desconhecido realmente assusta.

Em Star Wars temos Luke Skywalker sendo convidado pela princesa Leia para se juntar à rebelião, mas ele não quer isso, pelo menos não de imediato. Em O Hobbit, Bilbo é convidado a partir do Condado com um grupo de anões para roubar um tesouro, obviamente ele não aceita (não julgo). Essas são as energias de ativação das histórias. Para que algo aconteça e um livro possa nascer, é preciso superar essa barreira. Com isso, entramos na segunda etapa da jornada do herói, a presença do mentor, aquela pessoa que será responsável por ajudar o personagem a vencer a sua energia de ativação. Exemplos deles temos aos montes: Obi-Wan, Gandalf, Dumbledore, Haymitch…

A energia de ativação pode então ser superada de duas formas diferentes: está controlando um reator? Adiciona calor. Está escrevendo uma aventura? Introduza um mentor.

Tamanho importa

Para finalizar essa analogia, eu não poderia deixar de mencionar que essa comparação pode ser estendida até mesmo para o tamanho do reator. Se vamos produzir algo em bancada, nosso reator pode ser facilmente um béquer ou uma autoclave. Da mesma forma, se nossa ideia é criar uma história pequena, (até 6500 palavras) temos um conto. Na medida que vamos aumentando a escala (planta piloto, planta industrial) na indústria química, podemos fazer o mesmo com o texto (novela, romance). Quanto a começar a escrever, bem já falei um pouco sobre isso aqui.

Não importa se você vai produzir um novo composto ou escrever um livro, escolha com cuidado seus reagentes, como será o seu enredo e controle suas reações paralelas, pois, a única diferença entre os dois, é que um livro que bomba ao ser lançado é ótimo para o autor, já um reator que explode…. Bem, não vamos pensar nisso.